quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Estarei sempre à tua espera...

Estarei sempre à tua espera
Enquanto houver Primavera
Nos interstícios da lua
E nos Verões mais submissos
Esperarei os teus feitiços
Na esquina de qualquer rua

Em frescas manhãs de Outono
Em tantas noites sem sono
Espero pelo teu olhar
E em tempestades de Inverno
Mil juras de amor eterno
Depois de tanto esperar

Nesta espera desmedida
Pelos trilhos de uma vida
Pelas sombras de um desejo
Brotam poemas cantados
Sentimentos revelados
Na promessa do teu beijo

Só o luar anuncia
Esse palco de magia
Que até no escuro tem cor
Depois desta espera ardente
Escrevo no teu corpo quente
Uma epopeia de amor

04/10/2007
2:18

(Fado Maria Rita,
Armando Machado)

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Coma II.

Espero indefinidamente pelo dia em que vou poder erguer os braços de novo, e conversar com os meus amigos, e passear com as pernas em vez de deambular com a mente. Estou tão saturado desta forma de vida inerte. Vivo das minhas memórias e daquilo que imagino a partir delas, mas isso é virtual e não me satisfaz. Queria tanto poder simplesmente deliberar as inspirações e expirações que, neste momento, sei que se processam automaticamente apesar de não lhes sentir sequer a memória de respirar conscientemente. Tudo o que de biológico e físico se passava comigo adormeceu por tempo indeterminado, deixando-me neste estado agonizante e desesperante.
A minha última conexão com o exterior são os sons e as vozes que oiço, de vez em quando, à minha volta. Calculo serem os meus familiares que me visitam a uma cama de hospital, em angustiante espera por algum sinal de recuperação. E eu, que desejo acima de qualquer um o meu despertar, vejo-me impotente e fraco para lutar seja pelo que for. Não sei se algum dia voltarei à vida que tinha, à vida dinâmica e vívida que todos os outros vivem, mas sinto esporadicamente que cheguei à minha meta. A partir daqui, só outra coisa, mas não a vida que tinha. Essa morreu definitivamente. Só o meu corpo imóvel resta como resquício triste dessa outrora felicíssima vida que partilhei com tanta gente querida e menos querida.
Penso e repenso e torno a pensar mais uma vez… É tudo o que tenho. O resto, perdi-o. Imagino e sonho e especulo e construo mentalmente um mundo igual ao que deixei para me manter ocupado e esquecer momentaneamente da minha condição. Crio situações hipotéticas na minha mente e observo o seu desenrolar com tal nitidez que chego a julgar-me acordado, para em seguida voltar á realidade fria e cruel de ser um vegetal. Sim, um vegetal. Como me custa pensar desta forma acerca de mim. Não sou mais do que um vegetal. Foi nisso que me transformei quando… Quando o quê? Quando fiquei eu assim? O que aconteceu? Já me falha memória… Ah sim, recordo-me agora. Terá sido assim há tanto tempo…?

sábado, fevereiro 23, 2008

DesNort(e)ado.

Trevos de quatro folhas e ferraduras abençoadas
Tropeçam no meu caminho em frenesins descabidos,
Relento de oportunidades baralhadas,
Frutos da ocasião de geração espontânea,
Galgos velozes no impasse da torrente,
Lívido como a ponta de um cigarro.

As aragens trazem fulgores esbatidos das silhuetas do desejo,
Compassos de ternura divina,
Flauta de Pã, lira de Apolo…
Verdes as vivências desgarradas do Outono,
Num concílio onde se vetam fases mortas,
Vivo no domicílio das imagens.
Grande o suplício da vindima dos temores,
Herodes, Calígula, Sun-Tzu…

Doravante, libertinagem gritante,
Diademas marchetados das minhas cores,
Estrela de David, Andrómeda, o infinito…
A verdade são duas gotas de mel de rosmaninho.

Semelhança na indiferença,
Diferença na temperança,
E o sufoco que se entaipa na garganta.
As memórias são de pano,
Mapas do fim do mundo, Cabo das Tormentas…
Ao largo zarpam as glórias que se revezam,
Futuro jucundo, idade doente,
Claras as certezas de um bocejo.
Ao mar…

Chove a semântica nos prados e a retórica nos abismos,
E chove assim a dúbia senda do que já fui,
Do que vou sendo,
Do que morri e do que morro…
Afinal, nem todos os pássaros rumam ao Sul.

22/02/2008
4:59

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Haiku.

Já te disse noutro dia
Sou feliz como um repolho
Não sei porque to dizia
Tamanha sabedoria
Cabe no cu de um piolho

13/02/2008
17:24


(Quintilha haikudesca, escrita com a colaboração de Mário Ribeiro, Sofia Marques e Marlene Marques, numa cálida tarde passada no Penedo da Saudade.)

domingo, fevereiro 03, 2008

Comunicado.

Gosto de falar por enigmas
Palavras vãs de pus gangrenoso, dorido
Gosto de açoitar paradigmas
Garridos cãs de tom cavernoso, prurido
Gosto de imitar as serpentes
Com a táctica não desvendada da sede
Gosto de espalhar as sementes
Com a prática vaga encostada à parede
Gosto de migar os sentidos
Vácuos relvados de cerimónias grotescas
Gosto de sonhar sem partidos
Rara a vez tomados, parcimónias nem frescas
Gosto de aportar com piratas
Sempre frágeis embrulhos vazios, despojados
Gosto de esmagar as baratas
Reles ágeis como desafios renegados
Gosto de ensinar ao futuro
Que o vivido destrói as lamelas riscadas
Gosto de dançar com o escuro
Que encardido constrói várias águas-furtadas
Gosto de falar por enigmas
Expressões parabólicas acidentais
Gosto de enterrar paradigmas
Guarnições diabólicas que estão a mais

10/01/2008
7:53

sábado, fevereiro 02, 2008

Apostasia.

Entorno da senda dos meus passos
Gélidas ideias da vida que se encomenda…
Já fui distância que se embaraça no impasse da loucura,
Mas agora sou apenas eu,
Distante de mim, mas inabalavelmente eu.
Faço de conta que sou profeta diluviano,
E afago os dias com mãos de firmamento.
Apenas o trago roufenho de uma qualquer bebida espirituosa,
O beijo entregue ao meu delírio,
A sombra do que pudera ser se não fosse eu.
Decerto loucamente,
Prorrogo o esquecimento e a aférese do meu silêncio,
E fico suspenso no nominativo das palavras.
Procuro a abcissa do entretanto,
Nesta abiótica torrente de êxodos icásticos,
E anseio pela total apostasia do concreto.

02/02/2008
5:28