terça-feira, abril 05, 2011

O Problema da Inércia - Considerações Introdutórias.

No seu sentido físico, a inércia está associada à resistência natural que qualquer corpo com massa oferece à alteração do seu estado de movimento. O conceito pode(?) ser estendido ao domínio comportamental, representando uma resistência à acção ou à mudança, ou simplesmente a tendência para assumir padrões de comportamento relativamente estáticos ou estáveis.

A inércia é absolutamente natural e está associada à procura de estabilidade e segurança. Esta manifesta-se em rotinas, hábitos, tradições, crenças e perfis de comportamento e personalidade. A sua magnitude não é constante no tempo nem no espaço dos indivíduos. Existe interacção entre experiência e personalidade que, por sua vez, influenciam o peso da inércia. Para além disso, o mesmo indivíduo, no mesmo momento, frequentemente apresenta diferentes graus de inércia em áreas distintas da sua actividade e experiência. A cultura e o contexto social, económico, político, físiso, etc., influem no carácter inerte do indivíduo.

O problema da inércia é simples de expor mas a sua resposta é complexa e extremamente idealizada (aproximada):

«Qual é a razão (ou conjunto de razões) que explica a manutenção da inércia em situações de desconforto (pelo menos aparente)?»

Esta questão, na realidade, consiste mais propriamente num caso particular de uma outra bem mais abrangente, embora sujeita a uma maior subjectividade na sua formulação e consideração:

«Por que razão um indivíduo não é capaz de, face a determinada situação, dar resposta adequada sob a forma de uma acção ou reacção?»

Para esta questão, creio existirem duas respostas triviais que compreendem quase todo o espectro de respostas possíveis. Sendo triviais, não deixam de ter alguma profundidade em termos de ramificações. O indivíduo:
  • não sabe dar resposta adequada;
  • não quer dar resposta adequada.
Tanto uma como outra são mais propriamente duas categorias de razões que se somam para produzir uma resposta composta e, portanto, complexa e sinuosa.

A própria questão se torna frágil ao empregar o termo "adequada". Afinal, a compreensão deste termo está sujeita à subjectividade dos indivíduos, pelo que determinada acção pode ser disputada por diferentes observadores em termos da sua adequação. No meu entender, esta adequação é subjectivamente interpretada de acordo com um conjunto de objectivos tidos como necessários para que a definição seja válida. Estes objectivos podem limitar-se à resolução efectiva do problema em mãos, ou podem alargar-se a preocupações com o modo de actuação, a preservação de valores, o estilo, o prazo de resolução, a possibilidade de danos colaterais, etc.

Associada à ideia de adequação e de definição de objectivos surge, automaticamente, a ideia de intencionalidade. Para além de simplesmente reagir a estímulos, o indivíduo é capaz de exercer a sua intencionalidade através da acção deliberada por intermédio do estabelecimento de metas. A meu ver, esta modalidade é amplamente mais importante, mas é inseparável do seu complemento reactivo, havendo muitas situações em que a fronteira entre ambos se esbate. Podemos, portanto, pensar na acção deliberada como uma variante da mera reacção, em que um estímulo externo ou interno desencadeia um processo de estabelecimento de objectivos que pode decorrer consciente ou inconscientemente, ao que se sucede a acção propriamente dita. No fundo, aplicando este modelo a todo o comportamento humano, podemos fundir acção e reacção numa só modalidade de funcionamento, abrindo espaço para levar a cabo outro tipo de distinções.

Podemos distinguir, assim, aqueles comportamentos em que a fase de deliberação é automática e/ou inconsciente daqueles em que o processo é consciente e monitorizado de perto pelo sentido crítico do indivíduo, na sua acepção mais ampla. Mais uma vez, este sentido crítico está à mercê da subjectividade, e é condicionado por factores culturais e pessoais. Portanto, a variabilidade da intervenção deste sentido crítico subjectivo compromete a optimização da resposta final.

Na verdade, o facto de sermos capazes de dar respostas inconscientes (do ponto de vista da deliberação) é de essencial importância no funcionamento biológico do organismo e no percurso evolutivo. Se fosse necessário deliberar conscientemente cada inspiração e expiração, sendo a capacidade de processamento do cérebro intrinsecamente limitada, não restaria grande espaço para que todas as outras funções (cognitivas, psicológicas, biológicas, etc...) se desenvolvessem. Assim, este tipo de resposta tira partido da possibilidade de se programar, de forma inata ou a posteriori, o mecanismo deliberativo, e permite dar respostas automáticas a situações que pertençam ao domínio dessa programação, libertando a funcionalidade consciente para outras tarefas. No entanto, embora esta característica seja vital no caso do instinto e do sistema nervoso autónomo, a sua extensão a outros domínios deve ser cuidadosamente escrutinada e avaliada pela funcionalidade consciente, de maneira a garantir que a programação é realmente capaz de atribuir respostas adequadas à situações, ou mesmo de seleccionar adequadamente sobre que situações deliberar.

A questão da intencionalidade transcende o domínio da resposta a uma situação. É possível estabelecer metas que não se prendem com a resolução de problemas mas sim com vontades intrínsecas e não definíveis em termos de necessidades universais. Da mesma forma, nem todos os problemas sugerem a necessidade da sua resolução, podendo arrastar-se durante longos períodos sem que seja despoletado o mecanismo de deliberação, o que só acontece, muitas vezes, atingido um ponto crítico de ruptura. Inclusivamente, podem existir problemas-chave de que derivam problemas-sintoma, sendo que o foco de energia na resolução destes últimos pode não contribuir em nada para uma real resolução de raiz e, portanto, dar azo à sua renovação cíclica ou mutação.

Parece-me, posto isto, essencial investigar:
  • quais os objectivos mais comuns e mais transversais a toda a deliberação;
  • que formas de inércia existem;
  • como a utilização do sentido crítico consciente decorre, ela própria, de uma deliberação;
  • que coisas se tornam perigosas de programar no âmbito da deliberação automática;
  • a importância da crença e da ideologia em qualquer processo de deliberação;
  • quando é que o estímulo vence a inércia e precipita a acção;
  • a dinâmica das motivações;
  • as relações entre o sentido crítico dirigido para o exterior e o auto sentido crítico;
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