sábado, dezembro 08, 2007

Confissões...

O que tu és em mim
É seres brisa quando eu sou braseiro,
Qual fole que levanta labaredas do que antes não passava do cadáver duma fogueira…
O que tu és de mim
É a vontade de chegar ao outro lado da vontade,
Silogismo eloquente de parquíssimo conteúdo,
Afinal bulício inquieto de um inquieto fascínio.
O que tu és comigo,
Duas galáxias em colisão,
Um buraco negro que é refúgio das nossas fragrâncias,
E a imensidão do tempo que é morada de segredos…
O que eu sou sem ti
É o sopro da madrugada e a solidão de uma água-furtada,
Que nem Deus ousa perturbar quem tão fremente espera,
E a densidade não palpável da saudade que se multiplica…
O que eu e tu somos,
Dois universos tangentes,
Dois fragmentos de alma,
Duas sedes, dois vagares,
Mas uma, uma só viagem…

27/11/2007
1:03

1 comentário:

Anónimo disse...

Está uma tarde normal, pelo facto de não ser um dia particularmente bonito ou feio, mas não é um dia normal, não é uma tarde qualquer. Abro a janela e vou para a varanda fumar um cigarro. Está vento, está humidade e há nuvens. Penso nele… não tenho feito outra coisa nos últimos dias. Chego a pensar tanto nele ao ponto de me sentir maldisposto e vomitar, mas depois penso nele outra vez e fico feliz. O vento está a fazer com que as cinzas do cigarro façam acrobacias espantosas enquanto caem da altura deste sétimo andar. Caem um pouco, o vento fá-las subirem outro pouco, dão cambalhotas, caem mais um bocado, fazem a roda, sobem mais um pouco, dançam para a esquerda, caem mais um pouco, dançam para a direita, caem mais um pouco e deixo de conseguir segui-las com o olhar. Dou mais umas passas e passa por mim, a voar, um pássaro. Como deve ser bom voar! Fico a vê-lo a dirigir-se para noroeste, a dirigir-se em direcção a casa dele. Como chegaria a casa dele depressa se pudesse voar! Há um prédio estúpido e feio que se põe entre mim e o pássaro, portanto deixo de o conseguir ver, assim como também já não vejo nenhuma das cinzas que continuam em acrobacias descendentes – já acabei o cigarro. Penso nele, penso na cara dele, penso na beleza que é a cara dele, penso na beleza que é ele.
Não me apetece voltar para dentro. Não gosto da vista da minha varanda, no entanto há pássaros cá fora, posso sonhar. Dentro de casa obrigar-me-ia a trabalhar. Tenho vários trabalhos e relatórios para entregar nos próximos tempos, mas a minha cabeça tem estado ocupada com outros pensamentos, mais importantes. Mais importantes? Sim, mais importante que o dinheiro, mais importante que poder, mais importante que a saúde, mais importante que a felicidade, mais importante que a vida. Afinal de contas é isso que nos faz humanos. Como sabem, há bactérias com imenso poder, cavalos com saúde para dar e vender, hienas que se riem até mais não poder e até gatos que herdam a fortuna da sua dona viúva rica, mas só os humanos se apaixonam. E eu estou apaixonada.
As nuvens estão brancas, inofensivas. Na linha do horizonte há prédios e montes. Esses prédios são verdes e, por eu não ver muito bem ao longe, confundem-se com os montes também eles verdes. Esses prédios são mais giros que os brancos, beges e cor-de-rosa prédios que me rodeiam, estes não se confundem com as ruas, que por si só são mais feias que os montes. Se eu fosse um pássaro adoraria ir aos montes. Adoraria ir para lá com ele. Penso nele. Entro em casa para apanhar um bloco de notas e uma caneta – tenho de escrever-lhe, tenho de verbalizar o que me vai na alma! A casa parece-me apertada e sou invadido por sensações claustrofóbicas. Pego no bloco e na caneta e volto para a varanda, fujo da jaula que se tornou a minha casa. Já na varanda, fumo outro cigarro para apreciar o extraordinário voo das cinzas. Vou fumando e as cinzas vão mergulhando deste sétimo andar, umas rodopiam, outras deslizam levemente, todas dançam. Observo-as atentamente a bailar pelo ar e ao mesmo tempo penso naquilo que escreverei para ele. Penso nele.

No momento em que acabo o cigarro pousa, a menos de um metro de mim, na varanda, um pássaro. Sei muitos nomes de espécies de pássaros, sei que há águias, pardais, gaivotas e pombos, e sei que este pássaro não é nenhum desses. É branco e cinzento, mas cheio de vida, cheio de cor. Olhamo-nos nos olhos. Ele tem uns olhos magníficos. Eu quero ser como ele! Penso em como quero ter um bico. Cresce-me um bico. Penso em como gostava de ter umas patas como ele. As minhas pernas transfiguram-se até ficarem iguais às patas dele. Penso em como seria fantástico ter aqueles olhos. De repente consigo ver nitidamente os prédios que se confundem com os montes. Eu quero asas, eu quero voar. Há metamorfoses em todo o meu corpo, diminuo a minha massa corporal, crescem-me penas e, no lugar onde antes havia braços, nascem-me finalmente as asas. O pássaro já não está na varanda, o pássaro sou eu. Mas continuo a ser humano, ou será que os pássaros também amam? Penso nele e não chego a nenhuma conclusão sobre o que sou na realidade, mas isso não me preocupa. Desde sempre que filósofos e cientistas procuram as respostas para tudo, mas nada interessa a não ser o amor, ou a arte, como expressão de amor. Não sou cientista ou filósofo mas hoje descobri que sou um pássaro, todos são pássaros. Ele é um pássaro. Quero falar com ele, quero dizer-lhe que o amo.
Começo então a escrever, estreando assim as minhas novas patas. Escrevo-lhe tudo o que me vai na alma. Trato-a por “meu querido” e por “meu amor”. Falo-lhe do quão especial é o dia de hoje, falo-lhe da minha paixão por ele. Amo-o e penso nisso. Penso nele. Escrevo sobre isso. Escrevo sobre ele. Não vou voltar para a minha pequena e fechada casa. Quero estar com ele, e posso, agora sou um pássaro. Salto para o parapeito do muro da varanda. Sinto uma brisa a abanar-me as penas. Uma rajada de vento mais forte rouba-me as folhas, rouba-me a carta que eu escrevi para ele. Podia resgatar a carta de amor voando, no entanto prefiro ficar a admirar a trajectória que as folhas fazem no ar. Também elas dançam. Descem e são gentilmente guiadas pelo vento. A carta chega ao solo. A carta para ele. Ele. Penso nele. Tenho de ir ter com ele.
Respiro fundo e salto de mergulho para o nada, para ir ao encontro daquele que eu amo, para o tudo.
Abro as asas e voo. Que sensação! Sinto-me leve, sinto-me livre! Num ápice, viajo até casa dele. Ele estava no quarto, vejo-e de longe, aproveitando a minha nova e melhorada visão. Ele é tão lindo! Voar é tão bom! Chegado lá dou umas bicadas no vidro para ele reparar que eu estou do lado de fora. Ele vê-me. Eu sorrio. Ele abre a janela. Eu entro.

“O que fazes aqui? Como é que…?”. Não há tempo para explicar, saltei, digo eu. Beijo-o. A minha boca já não é um bico. Despimo-nos. Amo-o, amo-o. Vamos ao céu sem sairmos do quarto dele Quarto esse que não é pequeno, é perfeito. Ele é perfeito. Ele. Amo-o. Ele…"

Estou a cair do sétimo andar, assim como desceu a carta, assim como dançaram as cinzas, assim como cairia um pássaro morto. Caio e penso nele. Amo-o. Só os humanos amam. Sou humano. Só o amor interessa. Penso nele.
Chão.