domingo, novembro 27, 2016

Poetas banais

Poetas não são o mar
Nem ondas nem temporais,
Poetas são espuma que fica por cima de tudo o que agita...
Nas suas palavras vãs
Os ventos que sopram mais
São ventos de fora mas sopram por dentro da mágica escrita.

Feitiços de luz e de cores, das dores que à mão
Dão corda e dão traços e pintam, desenham na folha sinais
Dos tais artifícios, condão dos indícios, inícios finais.


Poetas não vão ao mar
Como se um rio por nascer
Quisesse brotar sem ferir, sem escorrer p'ra não transbordar
E as suas palavras são
O vento que os faz mover
Nas horas despertas da sede dos tempos que estão p'ra chegar.

Apaga o relógio e os dias na página dois...
Depois da promessa, tropeça no limbo das cordas vocais,
Que os livros abertos são corpos desertos, incertos rivais.



Poetas ao mar no chão,
Palavras são sempre iguais...
Parecem ao longe que são singulares mas são tão banais.

15/11/2016
16:48

sexta-feira, novembro 25, 2016

Exílio

Não sei se estar sozinho me ilumina
E me faz ver as coisas como são,
Se o silêncio revela ao coração
Segredos que o tumulto não me ensina;

Ou se é de estar a sós que se alucina,
Se é disfarçadamente a solidão
Memória sem raiz, sem direcção,
Semente de uma fuga que germina...

Não sei se neste exílio me aprofundo
Ou me imerjo num mundo imaginário
E sou dos meus receios vagabundo...

Não sei se vejo as coisas ao contrário,
Se é de rara clareza que me inundo
Assim num estado de alma solitário.

25/11/2016
10:41

terça-feira, novembro 22, 2016

Hora da Ceia

Que silêncio me acompanha
Na noite dos meus sentidos...
Não há lobos na montanha,
Já não oiço os seus latidos,

Não há fogueiras acesas
Nem cheiro de erva cidreira,
Só estas mãos indefesas
Perdidas numa algibeira.

Que escuridão me ilumina,
Que fome me dá sustento...
E a solidão imagina,
Desta noite o testamento:

Sou herdeiro de um futuro
Que a lua nova ensombreia,
Um pôr do ser prematuro
Antes da hora da ceia.

22/11/2016
20:46

terça-feira, novembro 15, 2016

Fogo, Chuva, Vento

Arde o fogo, queima a terra
Renova-se o chão p'ra tornar a nascer...
Chove a chuva, molha a cinza,
Refresca-se a terra e volta-se a crescer...
Ventam ventos, são lamentos
Levantando o pó das coisas que hão-de ser...
E eu sou fogo e chuva e vento,
Sou eu a ventar, a chover e a arder.

Cruzo mares e desertos,
Tão longe e tão perto de ali me encontrar...
Perco o rumo, encontro nortes
Ao sul desta sorte que teimo em buscar...
Leio mapas, leio a sina,
Sei as coordenadas mas não sei chegar...
Fico à espera doutro dia,
Sem chuva nem vento nem fogo a queimar.

Troca o vento pela brisa
Que afaga o meu rosto e me faz sentir
Que o calor do fogo às vezes
Conforta, acalenta, mostra-me aonde ir;
Chuva é fonte e mata a sede
Do meu horizonte para o atingir:
Chove a chuva, venta o vento,
Queima o fogo em mim p'ra tornar a partir.

05/11/2016
04:47

sábado, novembro 05, 2016

Amo em qualquer lugar...

Via
Entre as coisas banais
Dos dias sempre iguais
Os sonhos que jamais
Poderiam nascer;
Dias
De eternos rituais
E repetidos ais
E gestos virtuais
Que nos querem dizer

Todo o tempo encalhado
Na promessa de acontecer.

Pasmam frente ao passado
As horas
De um futuro adiado
Agora,
Vida fora em cuidados
Que penhoram
Tantos dias parados
Em demoras.

Quero e não quero partir;
Vou mas não posso chegar,
Interminável a procurar
Existir
Sem me evitar:
Hoje vou cantar!



Não
Dizer adeus não vou,
Ainda não acabou
Esta canção que ousou
Acordar minha voz.
São
As notas vendavais,
Silêncios magistrais,
São bolas de cristal
Que nos mostram assim

O ser arrebatado
Na iminência feliz de um fim.

Voa o sonho sem ver
As horas
Num presente ancorado
Agora,
E a promessa de ser
P'la vida fora
Esta força, este brado
Sem demoras...

Quero e vou mesmo partir;
Vou ainda hoje chegar;
Sei por onde ir, é só mesmo andar.
Rir, chorar
De tanto amar
Em qualquer lugar.

Amo em qualquer lugar...

05/11/2016
12:58

Valsa dos Mal-Amados

Uma história curta
Feita muito à bruta
E sem nenhum zelo;
Um conto de fadas
Que em menos de nada
Vira um pesadelo;
As vidas à toa
De duas pessoas
Buscando sentido,
Toscas tentativas
Que as lança à deriva
P'lo tempo perdido.

Conheceram-se ontem
E, embora defrontem
Reiterados cios,
Já paixões abundam
E os dois aprofundam
Os seus desvarios,
Que a paixão é cega
Nessa cega-rega
De lençóis e lua;
Fazem às escuras
Impensadas juras
Pela noite nua.

Depois vem o dia
E o que foi magia
Perde o seu encanto;
Dúvidas assaltam
Defeitos se exaltam,
Parece quebranto...
Muita expectativa
Esgota-se lasciva
Na noite anterior...
Tanto que se espera
E afinal não era
Este o grande amor.

A fábula é clara
Quando a gente pára
P'ra pensar um pouco:
Tantas investidas,
Coisas repetidas,
São artes de um louco;
Que a solidão custa
E inovar assusta
Quem nunca tentou...
Vão às cabeçadas
Repetir, coitadas,
O erro que as tramou.

03/11/2016
15:47

quinta-feira, novembro 03, 2016

Quadras ao Acaso

Não conheço outra vontade,
Outro desígnio maior;
Por mais que lute ou que brade
O acaso leva a melhor.

Mereci marés de sorte,
Cruzei azares à toa;
Não há destino mais forte
Quando o acaso atraiçoa.

Do mundo não me apodero
Que o mundo nunca foi nosso:
Tudo o que posso e não quero,
Tanto que eu quero não posso.

12/06/2016
14:41