quinta-feira, janeiro 28, 2010

Polímata.

Prolífico vaticínio de encruzilhadas,
De índole vagamente lícita e irrecusável talento,
Devolve com seu hálito sempre fresco
Ao mundo a legítima formosura,
Enredada nas volúpias intransigentes
Urgentes dos seus resolutos intentos,
Ainda que em fracas silhuetas se dissipem no estertor último
Da vagueza do tempo.
Com seu condão de atrevimento, volante de sonhos singulares
No pluralismo báquico, orgia, avalanche ascendente,
Contraria a gravidade e esboça a verticalidade da alma,
As linhas de força vergadas à mera sugestão de imortalidade.
Sem compadrio nem mecenas, é verdadeiramente,
Ou tanto quanto possível,
A liberdade manifesta, inventiva,
Que ecoa e ressoa e se despe da concepção rígida;
Mergulha no viço instável dos potenciais do vácuo
E de cabeça reescreve o mantra original.
Esta aventura que, de mítica, de mística,
Desmistifica a semântica do Universo,
Vai para além do real sem dele chegar a partir,
Circum-navegação da hiperesfera, multiverso,
Construção de dimensões ortogonais ao próprio espaço,
Conquista da última fronteira de lídimo nome.


Aqui jaz a genialidade anónima,
A mestria inigualável,
Um autêntico polímata disfarçado de humano.

29/01/2010
15:58

sábado, janeiro 23, 2010

Regresso.

Regresso, ainda antes da aurora, à concha frágil que me serve
De refúgio.
Venho do desfile carnavalesco, quotidiano, implausível
Dos afazeres;
Da espuma decrépita da nossa agitação caótica,
Patética,
Frenética de todos os nortes, sequiosa.
Regresso com música nos ouvidos e correntes ao pescoço,
Refém das escolhas tomadas e dos desejos renegados,
Baluarte dos afugentados, estandarte dos esquecidos
Prefeitos de uma ousadia emergente,
Incidente mas não acidente,
A transcendência do destino nas palmas suadas de um menino.
Regresso de olhos postos no horizonte,
Montanha intransponível de tempos que se baralham,
Confusa sobreposição de curvas vizinhas,
Trajectória maleável de resultado sublime,
O brilho do olhar reflectido na memória e difundido no sono,
Caravela para o depois, coche do entretanto ao tão longínquo,
Viajem onírica mas não menos verídica.
Regresso com pena do que deixo para ontem,
Assustado com esta impaciente forma de desconhecer o inevitável,
Obstáculo involuntário à ambivalência do determinismo,
Talvez até inimigo do Universo,
Ou apenas cidadão de alma estrangeira na metrópole cósmica,
Motor da diáspora enlouquecida do esclarecimento,
Ou engrenagem ferrugenta no mecanismo da Criação.
Regresso à origem,
Despojado, embora pleno, dual.
Arrasto comigo a história inteira,
Precedente mal assimilado, procedente intangível,
Perdido neste limbo virtual, litúrgico,
Eu, apenas, sem nome nem idade, absorto no vazio de que emano.


E depois, torno a partir…
Basta ir,
O resto é retórica.
Mas não ir como quem fica:
Renunciar ao perecível e abalar sem constrangimentos,
Dormir à luz das estrelas como se delas me enamorasse,
Percorrer caminhos de bestas como se neles repousassem
Raízes e alicerces,
E abraçar o frio da noite como se fosse mãe dos meus sonhos,
Beijar os raios de sol como se nele residisse o espírito que me guia,
E amar.

21/01/2010
2:57

domingo, janeiro 17, 2010

Cadência.

Instrumento subversivo,
Comportamento evasivo,
Razão de ser insolente,
Motivo fraco, impotente,
Dicionário de feitiços,
Enciclopédia de enguiços,
Trepidação libertina,
Caça furtiva, felina,
Rastilhos do fogo posto,
Água pura feita em mosto,
Ração de parco sustento,
Nascimento, aleitamento,
Polícia atenta ao delito,
Baptismo, namoro, grito,
Lanterna das ilusões,
Caverna das tentações,
Rumo ao desígnio divino,
Rumo, sem mapa, ao destino,
Aguilhoado aos desejos,
Ferido, morto com beijos,
Renascido em tiranias,
Feito a luz dos próprios dias,
Quebrado em cacos, largado
E ao vento crespo açoitado,
Ângulo raso, indiscreto,
Hipotenusa e cateto,
Imponderabilidade,
Insolvência da saudade,
Restos, possibilidades,
Prova real, amizades,
Volta a ser recipiente,
Torna a taça inconsciente,
Fecha-se o ciclo das almas,
E aguardam-se horas mais calmas.

15/01/2010
23:37

sexta-feira, janeiro 15, 2010

Desvario.

Devoramos os gomos sumarentos da palavra
E repartimos em talhadas a complacência;
Os histogramas falsificam paradoxos e silogismos,
E os códigos de barras aprofundam o abismo
Estendido, fendido, fundido,
Aparecido aos solavancos na esfera do corpo.
Na ribalta soam aflitos, malditos, desentendidos,
Interferências incontroláveis, impressões ingénuas,
Impressos
Nas gavetas, nos armários do sonho.
Logística deficiente, trincheira do burocrata petulante,
Pretendente aos tronos todos do mundo,
Suficiente e arrogante,
Compreensão estocástica do parto do que aí vem,
Do que se avizinha e nunca chega,
Do que espreita e se aproxima e quase, quase
Que termina.

Lançamos dardos envenenados,
Comemos do pão dos deuses e asfixiamos,
Lavamos os olhos num projector de cinema e regressamos
De rabo entre as pernas, de asas partidas,
De cócoras entre os abutres.
Travessia do oceano, circulação sanguínea, osmose,
Valentia tornada vanglória tornada poeira,
Valor feito em lendas de heroísmo,
Cinismo,
Anais que se arquivam para referência futura,
Demência, loucura revivida,
Corrida de cavalos selvagens, indomáveis,
Prisão domiciliária, malária, vícios urbanos,
E todos os anos, reveillon.

Roubamos a chave do abrigo, pilhamos,
Compramos cadeados, inventamos o perigo,
E sentamo-nos à sombra de uma laranjeira amarga
Que nos devolve o fel às entranhas,
Teias de aranha, lençol de seda rasgado,
Tisnado, corrupto, desmentido,
Forca para os nossos crimes,
Afago para a infância do ser.
De um trago, bebemos o barulho e o silêncio,
As realidades emaranhadas, a ficção dos nossos peitos,
E contrafeitos, rarefeitos, quase desfeitos,
Tornamos a içar velas, a afinar os sextantes,
Somos eternos amantes do desvario.

15/01/2010
20:05

quinta-feira, janeiro 14, 2010

Pressentimento.

Trevas no meu pensamento
De cores vestidas,
Roubadas ao firmamento
Que as pintou à mão
Nas telas desimpedidas
Da nossa incauta paixão;
Tecem nas malhas do amor
Nós que não desatam
Envolvidos no torpor
Das esperas frias,
São navalhadas que matam
À nascença novos dias.

Como a voz desajeitada
Que derramo, e o peito ardente,
À noitinha, p'la calada,
De manhã, ao sol bem quente,
Perdido em toda a chegada,
Chegado num corpo ausente
Que de tanto se fez nada
No seu canto penitente.

Pensamento circular
Às voltas na mão,
Se esta paixão se acabar,
Se me acaba a dor,
Ficarei eu neste chão,
Rogarei em teu favor;
Pois se acaso me liberto,
Desta vez não vou
Dar-te o amor como certo,
Desta vez recuso
Dar aquilo que eu não sou,
Ser uma roca sem fuso.

Como história repetida,
Embrulhada, emaranhada
Numa teia mal tecida,
Uma história mal contada,
Numa palavra vencida,
Numa boca derrotada,
Na batalha destemida,
No gesto da derrocada,
Na palavra concedida,
Na palavra torturada,
Em palavras dito a vida
À vida despedaçada,
No estertor da despedida,
No deserto da calçada,
Na fogueira desmedida
A palavra incinerada,
Em cinzas feita e vivida,
Fogueira enfim apagada.

14/01/2010
8:20

segunda-feira, janeiro 11, 2010

Carta para um desconhecido...

Deflagravam ilusões, no banco do terraço molhado pela chuva das camélias…

Fazes ideia de onde venho? Ou para onde vou?

Não sabes, mas cuidavas de mim e eu de ti. Só assim podia ser…

Sou um anjo ilusionista que observa o teu rosto. Não queiras adivinhar mais…

Vê o que és para mim. Não me conheces?

Não me conheces ainda mais?



(Por Vanessa Marques.)

quinta-feira, janeiro 07, 2010

Colectânea Proverbial.

Um Deus que tanto esbanja como poupa,
Sem consideração p'los seus clientes,
Não pode dar o frio conforme a roupa
Pois dá Deus nozes a quem não tem dentes.

Sabes que o dinheiro custa a ganhar
Mas não vale um amigo verdadeiro;
Não sei o que este povo quer pensar
Quando enfim se diz que o tempo é dinheiro.

Que feche a porta quem vier atrás,
Cantando o espírito se ergue e se eleva,
Pois sempre pouco e em paz muito se faz
Já que quem à guerra vai, dá e leva.

São tantas lições que o senso comum
Vai ensinando e a gente 'inda se indaga;
Por mim já posso passar ao jejum:
Já sei que amor com mais amor se paga.

07/01/2009
19:01

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Eisegese.

Em conversa com os deuses mais notáveis
Que a singela humanidade, à sua imagem
Concebeu, lancei-me em ousada abordagem
Hermenêutica de planos insondáveis;

Encetei-a com dissertações saudáveis
Respeitantes aos limites da linguagem:
Por que aos homens vedas a real mensagem
Encerrada em acepções impermeáveis?

Desta forma interpeladas, divindades
De diversas confissões e qualidades
Ao silêncio sobranceiro se remetem;

Pois assim desprezo os lustres que prometem,
Que se fiquem com os dogmas que submetem
Que eu cá fico co'as minhas próprias verdades.


Se acaso havia de voltar-me p'r'a escritura,
Passo os meus termos pelos de outra criatura.

07/01/2010
0:12