terça-feira, dezembro 23, 2008

Polipopeia.

De repente, esqueci-me de estar...
Limitei-me a sorver de relance a orgia implacável do acaso
E a auscultar de soslaio o verde rupestre estampado da ocasião.
A vida era um ponteiro,
Detido no derradeiro propósito,
O sentido de todos os caminhos,
Relvado em chamas que se estende, criterioso, sobre pés de sílex
Que rasgam sulcos profundos
Que albergam rios de vontades
Que acendem letras ao vento
Que, enfim, embala os poetas na sua epopeia de sentir o que é silêncio.


E assim, esquecido de estar lembrado,
Ausente das ligações corporais,
Entregue ao rumor esguio de um remoinho,
Esqueço-me de que estou esquecido,
E torna a sombra e o filme de celofane e o pano ergue-se uma vez mais,
Aplausos na plateia,
Um incómodo pigarreio que consome o espectador,
E a espectativa é consolada com mais umas cenas na tragi-comédia absurda,
Impávida,
Que somos em coro.


Entre uma parede e um muro,
Uma vela inunda a atmosfera com trémulas silhuetas que se insinuam,
Sem convicção,
Alicerces;
Mas basta um sopro oportuno no vazio circundante
Para que a ilusão se desfaça:
Faça-se penumbra e escuridão,
Para que o crepúsculo não seja em vão.

23/12/2008
5:07

segunda-feira, dezembro 22, 2008

Pintor de fios invisíveis.

Um pintor que junta as cores ao acaso,
Que escuta apenas o ruído de uma ideia mais ousada;
Assiste, lívido, quase incrédulo, à génese improvável da sua obra,
Enquanto uma mão invisível delibera.

Assim, sonhamos e lutamos e tombamos de joelhos no chão,
As mãos que seguram frustração,
E o peso frenético da verdade arrastada pela terra batida, cansada,
Do tempo sem dono.

22/12/2008
18:02

quarta-feira, dezembro 17, 2008

Ambrosia.

Sou um embrião de carnes e espinhos,
Toda a música guardada entre dois dedos que se estalam
Agora
Mas ecoam e reverberam, interferindo e diferindo e divergindo e confluindo,
Até que estalem novamente.
Tenho os segredos escondidos,
Muito unidos,
Debaixo de uma almofada que me embala de madrugada;
Levam, de noite, a cochichar a meia-voz sobre pintura e literatura e jardinagem,
(Shakespeare, Goethe, Rembrandt, girassóis...)
Verdade, sem ler nos lábios, não é sinal de franqueza,
Nem o néctar do discurso se saboreia no almanaque por que me ensaio:
Sempre que a rua chora, choro com ela.

Só p'ra que não chore sozinha...

15/12/2008
7:34

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Conc(e)r(e)to.

Os corpos fluorescem à luz roubada de um bolero,
Sonhos sobre sonhos sobre a natureza do sonho
Túmido.
Azul, tingido a pastel, corriqueiro
Na melodia de uma sombra vocalizada;
Sílabas que entretêm a espera diminuta,
(Não deixes que a memória te estrague a surpresa...)
Um passo cadente depois de outro sucedente.

A trovoada, entretanto, coaduna-se ao seu murmúrio,
Num ruído que se inventa a cada repetição,
Sucessão nunca monótona, átona, perpétua,
Como uma súplica abdicada num trono em ruínas.

Gosto de timbres insatisfeitos
E amantizados de quirais, logrados cinzentos adágios.
As minhas horas desfiadas no vento de mim...
Depois de tudo,
Em antecipação vacilante,
Recorta-se em papel autocolante um ou dois momentos de consternação;
Na película fina que os envolve, mentem-se os silêncios que ficam por se ouvir:
O último sempre, para sempre,
Em primeiro lugar.

11/12/2008
00:07

terça-feira, dezembro 09, 2008

Quatro terços (compasso de dança).

Atento ao passo lesto,
Vagabundo,
Desta dança,
O meu olhar modesto
No teu mundo
Se entrelaça;
As minhas mãos são lendas
Esculpidas
Em criança,
Abertas p'ra que acendas
Esta vida
Que te abraça.

08/12/2008

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Jogo de endurance.

Fechados os estores,
Atento aos pormenores
Desta noite com cores
Miscelâneas:
Dinâmicas celestes
Nas paixões em que investes
Sinápticas, mediterrâneas...

Lençóis desalinhados,
Pudores partilhados
De corpos amigados
Num colapso;
Ligações flutuantes
Nos corações amantes,
E o amor é espelho desse lapso.

Faz-me crer que somos um romance,
Algo mais do que um jogo de endurance...

??/07/2008

domingo, dezembro 07, 2008

Palimpsesto.

Não haveria, ao levantar,
Uma canção já de embalar
E uma caneca vazia;
Nem sentiria, à beira-mar,
A sensação a namorar
As cores de um fim de dia.

Não...


Não me atormentes com o licor das palavras,
Palimpsesto recortado em dois tangrams;
E os exímios hominídeos representam
A folha morta das nações...

Entendo que se desenhem as guerras,
Ao ponto de se pensarem vocábulos sem raça,
Enquanto o ocaso se espraia pela simpatia do agora.
Entendo que se costurem muros
Como alicerces de uma fome comiserada,
Um redondo inquieto, embarcado neste veleiro,
A prova giratória que anoitece e apodrece.


Se o alento mo concedesse,
Navegaria ao infinito,
Desta noite gelada,
Infinito,
Duas mãos de mão dada,
Infinito,
A trégua de todos os véus...

07/12/2008
6:31