terça-feira, novembro 12, 2019

Por que vivemos...

Se o sentimento nos cega,
Pr'a que lhe damos guarida?
A razão que se nos nega;
A razão da nossa vida.

Se o sentimento nos trai
A cada passada em falso,
Não se adivinha onde vai
Mas vamos no seu encalço.

Se o sentimento nos mata
Mas dá vida enquanto há vida,
Por que há-de a razão ingrata
Recusar-se a ser vencida?

Desnorteados seguindo
Dos caprichos a vontade,
Da razão nos vão despindo
Que nem ela os dissuade.

Vivemos porque sentimos;
Pensamos porque vivemos;
Quando pensamos, mentimos;
Se não mentimos, morremos.

27/03/2017
16:02

quinta-feira, setembro 12, 2019

Ansiedade

Porque me deixo embalar
Por esta coisa esquisita,
Esta coisa que me habita
Tomando à paz o lugar?

Porque me deixo ficar
Nesta coisa indefinida,
Nesta atenção distraída
Ao que não quero pensar?

Porque me deixo entreter
Por esta coisa anormal?
Será que quero afinal
O que não sei nem dizer?

Porque me deixo vencer
Nesta ansiedade de morte,
Esta coisa à toa, à sorte
Que não consigo entender?

Porque a não deixo fugir
Desta morada inconstante
Onde agita a cada instante
Receios do que há-de vir?

Porque só sei eu fingir
Que nada trago no peito
Quando trago o ser desfeito
Desta coisa a consumir?

Porque me deixo embalar
Vencer, ficar e fingir,
Sem nunca me permitir
A simplesmente parar?

03/03/2019
03:18

quinta-feira, março 07, 2019

O Princípio da Incerteza

Que bizarra a natureza
Quando vista ao pormenor
Nesse delírio suspenso
Entre ser-se e não se ser
O princípio de incerteza
Sempre nos leva a melhor
No seu real contra-senso
De se saber sem saber

Parece contradição
Esta essência indefinida
Que nos deixa a duvidar
Da nossa própria contenda
E às vezes esta impressão
De qualquer coisa escondida
Na espuma que o nosso olhar
De silício não desvenda

Já dizia o Heisenberg
Que o olhar tudo transmuta
E o real não é igual
Ao que pensámos que vimos
Esta razão que nos ergue
Das sombras da nossa gruta
Também nos mostra afinal
Que nunca de lá saímos

06/03/2019
17:52

domingo, março 03, 2019

A outra vida

 Mote

Quem sabe se noutra vida
A vida fora dif'rente?
Se apenas nesta se lida
Que dif'rença faz à gente?


Glosas
 
Não há dúvida maior
Na vida que nós vivemos:
Que é de nós quando morremos?
Vamos desta p'ra melhor?
Nunca nada ao meu redor
Me deu resposta devida.
Haverá ou não guarida
Do outro lado da morte?
Fico na mesma, sem sorte...
Quem sabe se noutra vida...?

Ninguém sabe o que isto é,
O mistério que interrogo.
Somos nascidos e logo
Já nós andamos de pé;
Rapidamente um bebé
Faz-se belo adolescente;
Para adulto, é um repente
E a velhice já lhe espreita.
Talvez na terra perfeita
A vida fora diferente.

Muito se diz por aí
Sobre este caso bicudo,
Eu cá duvido de tudo
Pois foi assim que aprendi.
Mais vidas não conheci,
Nem sei que seja sabida
Alguma vida escondida
Depois que a gente é defunta.
De que me serve a pergunta
Se apenas nesta se lida?

Muito nos interrogamos
Sobre o que está mais além
Será porque não convém
Olhar p'ra vida em que andamos?
Afinal onde é que estamos?
Que fazemos do presente?
Deve ser-se consciente
Da estrada que se percorre,
Que enquanto a gente não morre
Que dif'rença faz à gente?

23/02/2018
00:47

sábado, março 02, 2019

Jardim de Saudade

Estes versos que hoje canto
São saudades em botão.
No jardim do desencanto,
Todos os versos que planto
São rebentos da paixão.

São penas que remanescem,
Dissabores que ato em molhos;
Mágoas que brotam e crescem,
Fazem-se versos, florescem,
Regados pelos meus olhos.

São lembranças que, a cantar,
Transplanto pela raiz,
De outro tempo, outro lugar,
De outro jardim tão vulgar
Onde o fado não me quis.

Por isso canto e me vejo
Neste jardim de saudade,
Onde as flores que versejo
São botões do meu desejo
De ser jardim sem idade.

25/02/2019
18:03

quarta-feira, fevereiro 27, 2019

Tudo na vida é mentira

 Mote

Tudo o que a vida nos dá
Tudo o que a vida nos tira
Tudo o que vida será
Tudo na vida é mentira

Glosas

A vida é só como um vento
Um breve sopro e já está
Toda a vida é um momento
Tudo o que a vida nos dá

A vida que nos derrota
A mesma que nos inspira
Tudo na vida se esgota
Tudo o que a vida nos tira

Que vida esta sem norte
Uma vida ao deus-dará
Tudo na vida é à sorte
Tudo o que a vida será

A vida é sempre querer
Uma vida a que se aspira
Toda a vida p'ra morrer
Tudo na vida é mentira

23/02/2018
00:12

terça-feira, fevereiro 26, 2019

Alguéns

Alguém que quis mostrar-me paraísos
Alguém que quis mostrar-me infernais cenas
Alguém que, estando triste, me deu risos
Alguém que, sendo alegre, me deu penas

Alguém que a mão estendeu quando caí
Alguém que o pé esticou p'ra me tombar
Alguém que me abraçou quando sofri
Alguém que se escusou de me abraçar

Alguém que trouxe ao mundo algo de novo
Alguém que destruiu algo no mundo
Alguém que deu de si mesmo ao seu povo
Alguém que fez do povo um moribundo

Alguém, há sempre alguém que espalha amor
Porém, há sempre quem o não entenda
Também há quem lhe aumente o seu valor
E há quem, por mais que tente, nunca aprenda

28/07/2016
15:55

domingo, fevereiro 24, 2019

Quem quer saber ao que vem

Mote

Quem quer saber não encontra;
Quem não quer é que está bem:
Parece o mundo que é contra
Quem quer saber ao que vem.


Glosas
 
Quem passa a vida a olhar
O mundo como uma montra,
Vive e morre a procurar:
Quem quer saber não encontra.

Do segredo o conteúdo
É quem procura refém.
P'ra quê querer saber tudo?
Quem não quer é que está bem.

Quando algo se acha entendido
Mostra-se o mundo bilontra;
Ao mais pequeno sentido
Parece o mundo que é contra.

Como não sabe nem quer
Quem não se importa, também
Não chega nunca a saber
Quem quer saber ao que vem.

24/02/2019
14:11

sexta-feira, fevereiro 22, 2019

Aqui

Aqui onde me vejo
No espelho do temor
Aqui onde o desejo
Tropeça na memória
Aqui onde o feitiço
Desata a minha dor
Aqui onde me enguiço
Num limbo de oratória

Aqui onde me sinto
Mais alto e mais pequeno
Aqui onde me minto
À falta de um sentido
Aqui onde ao perdão
Me entrego e me condeno
Aqui onde este chão
É leito arrefecido

Aqui onde o adeus
Não tem cura nem lei
Aqui onde são meus
Os versos que não fiz
Aqui mato a vontade
Dos sonhos que eu errei
E morro de saudade
De quando era feliz

22/02/2019
17:53

segunda-feira, fevereiro 18, 2019

Agora és a saudade

Foste chama crepitante
Contra o frio acutilante
Da noite dos teus sentidos
Mas quanto maior a chama
Maiores sombras derrama
Pelos caminhos perdidos

Foste o tronco da vontade
Enfrentando a tempestade
Que ora seduz ora dói
A ventania das folhas
Confunde tantas escolhas
E trai os passos do herói

Foste uma onda de vida
De horizontes desmedida
No furor das maresias
Não há onda que não caia
Nas areias dessa praia
Na margem dos nossos dias

Foste o que o mundo perdeu
Tanto mar e tanto céu
Cabiam no teu olhar
Agora és a saudade
Sem limite, sem idade
Que não tem como acabar

18/02/2019
01:39