sábado, junho 27, 2009

Prece.

Quando perscruto o horizonte entreaberto
Pelo sinal de uma saída de emergência,
Chegam-me apenas ecos do meu ser deserto
Que gritam alto a sua atroz resiliência.

De longe alcançam-me as histórias de um passado,
Mitos e lendas que se amontoam no pó,
E que me lembram de um destino inacabado
E dos atalhos que percorro sem estar só.

Leva-me além desta impressão de lucidez,
Concede-me asas de utopia consistente
Para que ao acordar não se apague de vez
A ténue chama que me traz incandescente.

Sábio, que abarcas os mistérios da saudade,
Diz-me que ventos são os teus, que me não soltam,
Faz-me messias e em mim desvenda a verdade,
Essa que acalme as mentes que, vãs, se revoltam.

27/06/2009
20:12

domingo, junho 21, 2009

Efusão.

O rosto entregue ao mais ingénuo desalento;
As faces entumescidas de espanto, de uma humilíssima vontade de voar com as gaivotas,
De um estertor além da competência humana,
Do negrume que embala a minha viagem,
Eu que me propago como um raio de luz vadio num maninho de incertezas,
Que estendo os braços e não abarco o axioma essencial,
A verdade das coisas inverosímeis,
A inconsciência natural de tocar no calcanhar de Deus...
Eu, que sou um compasso de espera num alegro refractário,
Um mero eco de existência incomensuravelmente curto,
Eu que alimento uma descendência de escravos,
De espantalhos,
E eu,
O mesmo que, de noite, sonha com a silhueta de um ocaso perfeito,
Que imagina o porque de todos os porquês,
Sou um recesso de uma constante universal
Que deseja o divino na sombra de cada concreto...
Gozo de uma liberdade condicional,
Pois o carcereiro não esquece nenhuma ronda,
E mesmo assim tropeço a cada trote mais ousado...
Ah, não vou,
Hoje não...
Vou deitar-me com os anjos e esquecer as palavras,
Esquecer o medo de esquecer,
Ser puro espírito num mundo de homens mudos.
Vai valer a pena,
Vou poder entregar a alma a outro demónio sem sentir a iminência da cobrança,
E galgar aos ombros de gigantes a cordilheira do sentido.

Sou um rosto entregue à mais prudente ponderação,
Perdido nos meandros da minha ingratidão,
Urgente numa busca que é como uma árvore de frutos podres.
Ai, como soube bem um dia de desembaraço...

21/06/2009
1:41

segunda-feira, junho 15, 2009

Absolvição.

Sou parteiro de enjeitadas desilusões,
Mais um espécime adúltero de um todo oco
Que se transvia acalentando os furacões,
Temíveis ventos, zéfiros do meu sufoco.

Sou regicida proscrito no próprio berço,
Um corpo apátrida enredado de si mesmo
Que se percorre nas fúteis contas de um terço
Urdido à força de um decaimento a esmo.

Sou desertor de tão deserto que me tenho,
Velho vigário de um meu eu desfalecido,
Retrato tosco e esborratado que desenho
Com o meu modo de me manter preterido.

Sou cidadela de muralhas reforçadas
Que entrecortadas entre as rochas se eternizam;
Não sabe a gente que estas almas muralhadas
Não menos penam co'as dores que as infernizam.

Sou labirinto erigido sem fundações
Que resvala sobre as areias movediças
De um coração que não conhece outras razões
Que os corações de tantas incertas premissas.

Sou todo o tempo que se arrasta em cepticismo,
Um mero sopro plagiado impunemente
Às incontáveis virtudes que, nesse abismo
Vertem os mortos-vivos deste eternamente...

15/06/2009
12:38

sexta-feira, junho 12, 2009

Contrição.

Um coração de barro
Periclitante,
Entorpecido amante
Abomivável,
O sonho não palpável
De um enjaulado
Que entretem o seu fado
Noutro cigarro
Menos bizarro.

A mão ao peito atada
Sabe gemer
O pálido querer
Que me entedia
Num vão de simetria
Tão inestética,
Num vão de dialética
Entediada:
Mão amputada.

Sou desmancha-prazeres
Torto e grosseiro,
Sou segundo ou terceiro
Nas entrelinhas,
Sou cadáver de espinhas
Que mutilado
Se encaixa em mais um fado
Nos afazeres
De tantos seres.

Falcão de olhos vendados,
Tiro certeiro;
Avanço e sou primeiro
P'ra recuar...
Uma esfera armilar
Que é demontada
Na poesia errada
De errados fados
Improvisados.

A cor que transparece
Nesta pintura
É sonolente e escura,
Quase sombria;
Maré que morre fria
Nos grãos de areia,
E um fado que permeia
A sua prece.
E não estremece...

11/06/2009
22:38

segunda-feira, junho 01, 2009

Pacificação.

Pedir desculpa por um beijo a mais
Dado à socapa numa rua estreita;
Saber de cor os pecados mortais
De uma doutrina mais vã que perfeita;

E amar todos os extremos opostos
Como as duas pontas de um nó desfeito;
E viver sorridente e bem disposto
Sem punhais que dilaceram o peito;

Desfiar as missangas coloridas
Deste meu ábaco de contar mágoas,
Como quem sara tantas mais feridas
Dessas que enlouquecem todas as águas.

E de arrancar folhas tão indiscretas
Como um vendaval que embala um junqueiro,
Tenho um ninho cheio de borboletas
Num ventre que se entrega por inteiro.

E aprender todas as lições de vida
No instante em que se decide viver,
Pois mais aprende quem não se duvida
Do que quem luta pelo seu saber.

01/06/2009
13:07