segunda-feira, fevereiro 29, 2016

Nas asas de um sonho

Descansa meu irmão, não tenhas pressa,
Não consumas os dias num só trago...
Detém-te nas delongas de um afago,
No milagre de amor que o atravessa.

P'lo meio da vertigem, o langor...
Nos ímpetos de urgir, contemplação...
Não passes pela vida de raspão,
Que a vida devagar tem mais sabor.

Devolve a paz ao ser atribulado
Se houver quem nesse estado te defronte;
Por correr não se alcança o horizonte,
Só nas asas de um sonho demorado.

24/02/2016
18:56

sexta-feira, fevereiro 26, 2016

Canseira

Ai de mim que não consigo,
Desculpa, não sou capaz,
Mas não mereço o castigo
Tão grande que tu me dás.

Ai de mim que não consigo
Por vezes ser mais perfeito.
Bem vês como me afadigo,
Que ao teu gosto me sujeito.

Não é por falta de esmero,
Desculpa, não sou capaz
De ser tudo quanto quero
P'ra ser como mais te apraz.

Sei que te zangas comigo
Se acaso me tens em falta,
Mas não mereço o castigo
Que só mais me sobressalta.

Seria de outra maneira
Pudesse eu voltar atrás,
Mas não posso; ai que canseira
Tão grande que tu me dás.

26/02/2016
19:50

quinta-feira, fevereiro 25, 2016

As palavras que não disse

As palavras que não disse, sei-as bem;
Trago-as no peito guardadas, vil guarida.
Nunca assim me despedisse de ninguém
Com quem andei de mãos dadas pela vida.

Agitam-se em mim ao vento da saudade
As palavras que ficaram por dizer;
De nada vale o lamento que me invade.
O que os meus olhos choraram sem te ver...

Tomara que não sentisse tal tormento
Meu coração em que ecoa a omissão
Das palavras que só disse em pensamento,
Remorso que se amontoa pelo chão.

Se outra morada me espera, junto a ti,
Não tenho em mim a virtude de saber;
Dir-te-ia com voz sincera o que senti,
As palavras que não pude antes dizer.

24/02/2016
22:13

quarta-feira, fevereiro 24, 2016

Tenha ou não tenha razão.

Mote
Há quem fale à boca cheia
P'ra fazer opinião
De tudo quanto o rodeia
Tenha ou não tenha razão.

I
Quando pequeno escutava
O velho, o rapaz e o burro,
Quadras simples que em sussurro
A minha avó me contava,
Depois de ouvi-las, pensava
Na gente que papagueia
E julgando a vida alheia
Muito fala e pouco diz;
Tanta sentença infeliz,
Há quem fale à boca cheia.

II
Já muita gente o tem dito
De várias formas dif'rentes;
Há quem o diga entre dentes
E quem o clame num grito.
E por isso não hesito
Em repetir o chavão,
Pois qualquer ocasião
Que o assunto me suscite
É para mim um convite
P'ra fazer opinião.

III
Se alguém me diz que obedece
Ao que outros possam dizer,
Que vai deixar de fazer
Por isso o que lhe apetece,
Pois que se acaso o fizesse
E a sentença que receia
Andasse por tuta-e-meia
Nas bocas todas do mundo,
Não fora medo, no fundo,
De tudo quanto o rodeia?

IV
É que ter medo é saudável
Na conta, peso e medida,
E não ter medo da vida
Que alguém julga censurável.
Falar mal é deplorável,
É tacanhez sem visão
E afirmo com prontidão
Que tamanha mesquinhice
Não passa de parvoíce
Tenha ou não tenha razão.



Epílogo
Não faças caso, portanto,
Do que os outros te critiquem;
Não fiques tu no teu canto
Melindrado, eles que fiquem.

24/02/2016
14:48

segunda-feira, fevereiro 08, 2016

Depois de ser amor

Depois há sempre um mundo pela frente,
Um cântico de sonhos que emudece
As dúvidas, e o mundo é uma prece
Ao panteão do amor incandescente.

Depois há horizontes, outra gente,
Ruído que se instala e prevalece
Durante um escasso instante e entorpece
A lúcida ilusão de estar contente.

Não é depois que a vida se revela;
A vida é toda aqui, é toda agora,
E agora não quer medo nem cautela.

Depois de ser amor, que importa a hora,
É já o amor farol e sentinela
E bênção que se abraça e se demora.

18/12/2015
11:49


(Pela ocasião do casamento de dois queridos amigos.)

sábado, fevereiro 06, 2016

Sonhar além do sonho porque existo

Quem sou? Que faço aqui? P'ra onde vou?
Que forças me comandam e atordoam?
O que é esta impressão de ser quem sou?
Que seres tão distintos me povoam?

Que destino me quer aqui agora
Quando ontem nada o fazia prever?
De que é feita a tristeza que se chora
E a alegria que rimos com prazer?

Quem são todos os outros que comigo
Partilham dos mistérios de ser vivo?
Quem pensa de antemão tudo o que digo
E toma as decisões a que me esquivo?

Que imensa maravilha estar aqui,
Sonhar além do sonho porque existo:
Eu venho das perguntas que inquiri
E vou rumando às respostas que avisto.

06/02/2016
14:33