terça-feira, fevereiro 02, 2010

Metadiegese.

Escrever é haurir o bafo panteísta impregnado nas palavras,
A libação da alma incasta,
Que se presta à descoberta no planisfério turvo da existência
De uma forma incipiente de amar.
Os dedos coordenam a torrente que lhes chega
Amotinada e sem contorno
Da esfera inconscienciosa, útero de linhas curvas
De genealogia promíscua e bizarra,
Emaranhada de sílabas trôpegas e inascíveis por mero capricho;
É preciso moldar o barro em bruto do pensamento,
Conferir-lhe inteligibilidade e soprar-lhe a vida directamente nos pulmões,
Mapear-lhe a estrada sinuosa, provê-lo de alimento,
E ensinar-lhe os silêncios de que se pontua,
Olaria no frenesim da gestação.

Escrever é projectar o templo da novidade,
Regar a sede dos desassossegados,
A derrota da legislação universal, regicídio
Na decorrência das epopeias do ser por refinar.
O trono é devolvido ao justo ocupante
Que de espectador se assume divindade, força motriz,
Propulsor a jacto na atmosfera rarefeita da beleza.

Mas escrever acerca do escrever,
Ponderar as anfibologias alquímicas do literato, sem litígio,
E palpar o corpo obsceno da locução
No estudo embriológico do esboço,
É louca prova da natureza reflexa que nos ocupa,
Que possui o corpo que cremos pertencer-nos...
Rendo-me à subtil evidência de que sou eu dentro de mim,
E dentro de mim,
São as palavras,
Que me veneram com ídolos de ouro fundido e sacrifícios de sangue,
Que me operam profético e transcendente.
Sem mim,
Sem elas,
Seria apenas a vã caverna do eterno que está para vir.

02/02/2010
6:19

1 comentário:

Anónimo disse...

É mesmo um parlar amalucado!