domingo, janeiro 26, 2014
Romance dos Passos
Ali vai ele num passo desamparado;
Parece até que voa sobre o empedrado...
E as ruas tortas desta cidade às direitas,
Sejam largas ou estreitas,
Percorre sempre apressado.
Ali vem ela muito certa na passada;
A ninguém deve nem ninguém lhe deve nada...
E as ruas todas apreciam os passinhos
Mimosos, aprumadinhos,
Com que ela pisa a calçada.
Vai ele então nessa desalmada corrida
E nem abranda quando chega à avenida;
Faz uma finta, quase derruba um letreiro;
Talvez fora mais certeiro
Fosse o primeiro na vida.
E ora vai ela descendo o mesmo passeio
E sem razões para alentar algum receio
Segue ligeira numa marcha distraída,
Satisfeita na descida,
Sem olhar o passo alheio.
Galgam os dois o seu caminho em contramão,
Inconscientes em rota de colisão.
Enquanto vai ela julgando estar segura,
Outra incauta criatura
Investe-lhe um encontrão.
A multidão em roda viva nem repara;
Para intervir no sucedido ninguém pára.
Somente aos dois cabe resolver a questão:
Ela atónita no chão
E ele de espanto na cara.
Ali está ele morto de constrangimento
E estende a mão num gesto de arrependimento;
No seu olhar revela tímido embaraço
E treme-lhe até o braço
Que se estica em salvamento.
Ali está ela pasmada deste sarilho
De olhos capazes de esganar o empecilho,
Esse diabo que lhe apareceu à frente
No meio de tanta gente
E a lançou sobre o ladrilho.
Está ele então na tentativa de resgate
E ela indignada pelo furioso embate...
Maldita a hora que estes dois foram escolher,
Quem havia de dizer
Que iria dar disparate?
Muito senhora de si mesma se levanta
Ela e o moço desata o nó à garganta:
«Por favor queira desculpar esta rudeza
E a minha vil natureza
Que à senhora desencanta.»
Verdade seja dita que ambos são culpados
De assim trazerem os passos desencontrados;
Se porventura ele tivesse mais cautela
Talvez tivesse sido ela
A falhar nos seus cuidados.
Se ele foi bruto não foi ela mais zelosa,
Mas dito e feito é ela que está furiosa.
Olham-se os dois, cada qual à sua maneira,
Dois lados da mesma asneira:
Um repeso, outra queixosa.
Se o episódio terminasse assim suspenso
Era o destino destes dois um contrassenso...
Ali detidos no fulgor daquele olhar,
Nova história a começar,
Fica o relato mais denso.
Ele duvida e ela hesita impaciente;
Ela não sabe e já sabe ele o que ela sente...
Desculpa aceite, cada um segue o caminho,
Ela só e ele sozinho,
Resolvido o incidente.
Mas sobrevive na memória aquele enredo
Como um tesouro que se mantém em segredo;
Aquele olhar aterrador nessa emboscada
Deixou marca tão vincada
Que mais parece bruxedo.
Não tarda que ambos, de regresso às caminhadas
Vejam de novo as suas direcções cruzadas;
Cruzam-se os passos e nesse caso bicudo
Os olhares dizem tudo
Nas suas vozes caladas.
Logo irá ele cortejá-la com doçura
Num passo curto que não quebre a compostura;
Parece ele outro com seus pezinhos de lã
E os olhos cor de avelã,
Fazendo boa figura.
Depois irá ela jogar às escondidas
Numas passadas muito largas e atrevidas...
E quem os vir julgará ver duas crianças
Afoitas em contradanças
Por todas as avenidas.
Será por força do destino ou mera sorte
Que nasce assim nos dois uma paixão tão forte?
Já que há razões que a própria razão desconhece,
Saibamos do que acontece
Tirar o que mais importe.
Que a gente esteja sempre atenta ao pormenor
E não se julgue tão depressa um dissabor:
A gente segue uma ilusão e não pondera
Que quando menos se espera
Tropeça a gente no amor.
26/01/2014
18:40
sexta-feira, janeiro 24, 2014
Complicação.
Quis escrever de cabeça
Uma rima feita à pressa
Que fosse fácil de ler.
Tropecei no dicionário,
Mudei o vocabulário
P'ra me fazer entender;
Vi palavras nunca vistas
Em brochuras nem revistas
Senão das mais eruditas;
Compliquei o meu discurso
E escrevinhei com recurso
A palavras inauditas.
Densa terminologia
Examinei noite e dia
Empolgado na comédia.
'Inda o verso era um zigoto,
Faltou-me um termo mais douto:
Pesquisei na enciclopédia.
Entre epítomes sumárias
E as dissertações mais várias
Não lograva o meu contento...
Vacilei na minha astúcia;
Seria pouca a minúcia
Ou estaria eu desatento?
P'ra tornar aos meus costumes
Pus de parte esses volumes,
Abandonei a recolha.
Cândida página albina
Numa alvura cristalina,
Estava em branco a minha folha...
«O que hei-de agora fazer
Se não sei o que escrever?»
Pensei com os meus botões;
«Quis escrever sem sentir,
Chegar antes de partir,
Fui meter-me em confusões.»
Voltei atrás co'as manias
De perseguir poesias
Com desmedido artifício.
Cerrei os olhos cansados,
Dei suspiros demorados
E retornei ao início.
Na branda meditação
Julguei passar-se o serão
Em mil ideias imerso;
Quando os olhos reabri
Fitei a página e vi
Ali nascido este verso.
Se estas coisas acontecem
Que concebidas parecem
Por desígnios transcendentes,
Há que analisar a fundo
O que é decerto fecundo
Em lições convenientes:
Quando as intenções são fúteis,
Os dicionários mais úteis
Não servem senão de algemas;
Vale mais um'alma cheia
De um sentir que não falseia
Ao sublimá-lo em poemas.
24/01/2014
23:33
sexta-feira, janeiro 10, 2014
25
Além destas vinte e cinco avenidas
Que encheste de batalhas e vitórias
Desenham-se outras tantas trajectórias
Que as tuas metas hão-de ver cumpridas.
Assim se viram páginas vividas;
Assim se planta um bosque de memórias;
Elevam-se sonhos, cruzam-se histórias
E firmam-se amizades percorridas.
Mesmo que a vida mude o panorama
A gente não se esquece de quem ama,
De quem é sempre seu o nosso tecto;
Assim, é com amor que celebramos
A vida daqueles de quem gostamos,
Que o viver sem amor é incompleto.
20/12/2013
16:30
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