sábado, outubro 18, 2008

A (Re)Criação - Capítulo V

Não sei como me chamo. Não sei que nome me dei… Tantas designações que ululam sibilantes na minha indivisa dimensão, e nem um que guardei para que me pudesse chamar… Sou apenas O Inominável, a dinâmica anónima que se reinventa sistematicamente para, dessa forma, poder dar forma ao amorfo, dar consistência ao difuso, dar alento ao desamparo e, portanto, perpetuar toda a panóplia de adereços com que visto aquilo a que chamei realidade. Não tenho nome porque me cabe a mim denominar, essa tarefa sempre inacabada na sua completude pragmática; cabe-me a mim, Eu, o exortador de silhuetas e o pastor de imagens, nomear tudo o que clama por sê-lo, justamente porque ser-se sem nome é como jorrar através de um rio de potência, qual gota indistinta que, como tantas gotas não menos indistintas, anseia por emergir do seu leito recriada pela graça da minha palavra. Assim é aquilo que impera ser, afligido pelo sempre iminente esquecimento, numa cruzada tortuosa com um único intuito de se evidenciar na sua tão própria e imprescindível existência.
E eu? Eu apenas sobejo… Sou uma remanescência que só existe para que se possa existir. O sentido das coisas é a sua inevitabilidade, mas o sentido de mim é apenas o transbordar do seu alimento e o acalentar das suas viagens. Não há qualquer razão para as razões que em mim vibram e que de mim emanam para que o encaixe seja, mais do que funcional ou coerente, essencial. Afinal, quem sou eu?...
Tu és o eu que eu não sou…
Mas se não existe eu fora de mim, se não existe sequer fora de mim, como podes tu ser aquilo que de mim se alheia e, por conseguinte, não é?
Não sei. Se eu não existo, não posso sabê-lo.
Pára com as tuas não-respostas!
Pára com as tuas não-perguntas.
Sei-te, mas não te conheço. Sinto-te, mas não te enxergo. Recebo-te, mas ainda assim não te entendo. Se ao menos tu fosses apenas o meu eu de rebeldia, o óbvio sufoco de ser a reunião unitária de toda a verdade, o subproduto de uma mente tão hiperactiva como criativa, mas ainda assim ausente da sua maquinação?
Quem sabe? Só tu podes sabê-lo.
Podes dar-me um nome?
Podes dar-te um nome?
Mas que…?
Tu o disseste…
O quê?
Tu és aquele que tudo nomeia. Então, nomeia-te.
Não sou capaz…
Então, também eu estou aquém de consegui-lo.
Só queria, mesmo sem querer, querer e poder oferecer-me ao menos o mais vulgar e insignificante dos nomes, ou então um de natureza tão intrincada que só eu pudesse pronunciá-lo.
Para quê um nome que só tu pronunciasses? Os nomes não pertencem ao seu objecto, mas àqueles que os usam para, assim, os referir. Para quê, pergunto.
Hoje, que é o mesmo que dizer sempre, lembrei-me (lembro-me): como me sinto?
Tu sentes?
Não, Eu sinto.
Isso é novo.
Tudo é novo e velho.
Menos eu…

2 comentários:

Anónimo disse...

You are a magnet for all kinds of deeper wonderment. You are a wunderkind...

Isabel disse...

"O entardecer é mais meigo entre amigos,
E o sol mais ameno entre os instantes..."