segunda-feira, novembro 02, 2009

Engenharia da percepção.

A estranha leveza de que padeço, de forma crónica e despropositada, convida ao recolhimento da alma no próprio âmago de uma individualidade una, como que uma gigante vermelha que colapsa sobre si mesma para enredar singularidades mirabolantes, que bem podem constituír berços profanos de novas cores e novas vozes, ou apenas aberrações de uma misteriosa fazenda inenarrável. Do mesmo modo podem os meus constantes acessos introspectivosverter-me numa sopa primordial imponderável ou, não tão épico, alienar-me à homogeneidade aborrecida de um Universo que se reflecte ad infinitum. Num ou noutro caso, não me compete a taxonomia do fenómeno, tarefa árdua de grandes mentes polidas, mas sim trocar-lhe o óleo ou verificar-lhe a pressão dos pneus. Como tal, poderia designar-me como um engenheiro da percepção, embora tal promiscuidade de conceitos possa pôr em causa a legitimidade de tal nomeação num tecido social de preceitos pragmatizados. Possa, em tal eventualidade, ser condescendida a minha irreverente incapacidade de não pisar os traços contínuos quando circulo atrás de um contentor ambulante a uma velocidade que dissertaria sobre aerodinâmica com uma lesma.
Entretanto, entretido nesta bizarra exposição de não sei que entidades cognitivas, discorri de tantos assuntos que me apartei da origem em movimento helicoidal. Retorno agora a pronunciar a leveza e o recolhimento, a tomar-lhes o gosto nas palavras e a encontrar os seus aromas na miríade daqueles que me rodeiam. Sou, neste momento, um receptor de mim mesmo, numa corrente circular que se realimenta positivamente até ao limite em que se esgota. Com alguma ousadia me arrisco a considerar a sexualidade intrínseca ao processo, o modo como os sentidos se afectam, o estado inebriado e efusivo, os movimentos instintivos mas eficazes, e o culminar imperioso que é porta efémera do Paraíso.
Após este momento masturbatório, permitam-me apenas que deixe assente: nenhuma outra aventura pode comparar-se à descoberta e colonização da identidade, desde os primórdios da existência até aos confins recônditos da natureza humana. Afinal, todos padecemos de uma curiosa enfermidade para a qual só se conhece uma cura: para que a vida se extinga, basta conquistar a morte.

06/10/2009
0:59

Sem comentários: