sexta-feira, novembro 06, 2009

Sonambulismo.

Abro os olhos.
Fecho os olhos.
O detestável despertador provoca terramotos no crânio.
Abro os olhos.
Fecho os olhos.
Cinco minutos passam nesse instante, e o sismógrafo dispara de novo.
Abro os olhos.
Fecho os olhos.
Ao terceiro assalto, os meus movimentos manifestam o automatismo de um electrodoméstico:
Estendo a mão e, num golpe seco, arranco a ficha da tomada.
Abro os olhos.
Fecho os olhos.
Um calafrio percorre-me a espinha,
E a janela aberta clama por intervenção urgente.
Abro os olhos.
Ergo-me sem pressa,
Caminho direito mas sem convicção,
E cerro as portadas,
Corro a persiana
E imerjo na mais corrupta escuridão.
Fecho os olhos.
O outro despertador,
Aquele que costumo programar com meia hora de diferença do primeiro
E que repousa estrategicamente fora de alcance
Agride os meus ouvidos com o seu toque estridente.
Abro os olhos.
Fecho os olhos.
A investida continua, impávida,
Até que se torna insuportável.
Abro os olhos.
Torno a levantar-me do mesmo modo insosso
E desconstruo o aparelho contra a parede mais próxima,
Sem violência sem ressentimento,
Uma simples manobra de estacionamento.
Fecho os olhos.
Um trovão atroa a atmosfera com ferocidade inigualável,
De tal modo que consigo sentir a sua força em cada célula do meu corpo.
Abro os olhos.
Fecho os olhos.

Abro os olhos, que se recusam a permanecer fechados,
Embora fechados os sinta,
Continuamente,
Ininterruptamente fechados.
E assim, de olhos abertos fechados,
Prossigo o sono agitado e assombrado a que chamo
Noite,
Enquanto na minha mente vagueiam histórias antigas acerca de uma fantástica,
Belíssima,
E nunca equiparável,
Aurora.

Quando me sentir cansado,
Voltarei a fechar os olhos.
Mas que diferença faz,
Se os olhos que julgo usar para enxergar
Em tempo algum chegam realmente a fazê-lo?
Olhos abertos, olhos fechados...
Certamente estarei a sonhar...
Acordado?

02/11/2009
9:24

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