segunda-feira, abril 02, 2007

A misericordiosa morte...

Revezam-se momentos desconexos através da perturbada memória que julgo ser minha, momentos de esfusiante alegria e desconcertante tristeza, de conquistas gloriosas e derrotas frustrantes. Momentos que emergem sem convite desta coisa amorfa e difusa a que chamo recordação. Procuro-me em cada um desses slides amarelados pelo passar inexorável do tempo, desesperado por me reconhecer nalguma dessas imagens distantes, quase estrangeiras. Não dei pelo passar das horas, dos dias, dos meses, da vida inteira… Estive demasiado ocupado a esconder-me de tudo que quase me esqueci de que estava vivo… Vivo? Agora que me sinto na posse de algum discernimento livre de medos e vergonhas, agora que já é tarde de mais para realmente viver, procuro entender. Com flashes cada vez mais estonteantes, a panóplia de instantes que outrora julguei pertencerem-me continua a assaltar-me e inquietar-me, sucedendo-se ininterruptamente uns aos outros sem qualquer ligação entre si. No centro desse turbilhão impiedoso, eu, numa inquietação que interfere com o meu discernimento e me impede de processar com sobriedade todas as memórias que giram à minha volta incessantes. Aperto a mão direita fechada contra o peito, numa tentativa vã de diminuir a dor dilacerante que cresce a cada momento dentro de mim como um punhal preso dentro do meu coração que tenta agora escapar da sua cela, investindo violentamente contra a minha carne num acto de desesperado desejo de libertação. Com a outra mão, erguida a custo em direcção ao céu, chamo pelo meu derradeiro destino. Vem, vem neste momento sobre mim, pois aqui me entrego de total vontade à mercê da eternidade que me reservas. Vem, corre, galopa, voa até mim, liberta de uma vez esta adaga que dentro de mim fabriquei ao longo de tanto tempo. Hoje não sou mais do que um resquício daquilo que almejei ser, um subproduto de tantas escolhas desonestas e tantas mentiras que podia ter evitado se não tivesse vergonha de mim mesmo. Agora resta-me apenas desesperar pelo misericordioso golpe que sei aproximar-se de mim com velocidade crescente. Ligeiramente aliviado da dor que me dilacera por dentro, empurro para fora o ciclone de recordações que começa a apertar na minha direcção, num acto angustiado para não ter de reviver mais uma vez a farsa que foi a minha vida.
Procuro entender… Entender as pessoas, entender as leis, os preconceitos, as guerras, as religiões, o mundo, a existência. Mas a compreensão dessas coisas há muito se perdeu no marulhar das ondas do tempo, algures entre o ontem e o hoje.

08/01/2007
14:28

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