quinta-feira, maio 10, 2007

A (Re)Criação - Capítulo II

Quem sou eu? O que sou eu? Como sou eu? Observo-me atentamente absorto numa esperança infantil de encontrar significado. Não compreendo. Onde estou? O que é estar? Sinto-me fechado num compartimento oco e sensabor, sem janelas nem portas nem nada. O compartimento. Que sensação é esta? Ah, claustrofobia. Medo do escuro. Solidão? Não, falta de solidão. Em mim, todas as coisas são. Como sentir solidão quando tudo me acompanha a cada suspiro ou gesto, num jogo de imitação em que só pode haver um vencedor? Hoje. Para mim, vazio de sentido. Para mim, todo o tempo é hoje, todo o lugar é aqui e, no entanto, não me consigo encontrar. Porquê? Que pergunta absurda… O porquê sou eu. Mas porquê? Não interessa. Eu sou todos os porquês, e todos eles flúem através de mim ao meu comando. Quantas palavras existem? Quantos porquês existem? EU. Apenas Eu. Eu… Simplesmente eu… Apenas…
Cala-te. Já chega de tanta prepotência.
Quem és tu?
Quem sou eu…? Não gozes comigo. Sabes tão bem quanto eu o que somos ambos. Ou será que não sabes?
Eu acho que já não sei o que é saber. Eu estou a esquecer-me das coisas. Estou a perder-me. Estou a tornar-me num vazio pleno e irrecuperável. Por muito que me custe, acho que preciso de ajuda.
Queres que eu te ajude?
Consegues fazê-lo?
Sim, se me explicares exactamente no que é que precisas de ajuda.
Não consigo. Não posso. Não sou capaz de o fazer. Neste momento, apenas tenho a certeza infundada de que tudo o que existe vem de mim, e tudo o que eu sou se manifesta irremediavelmente na própria existência. Se eu sussurrar suavemente uma melodia, ela nasce. Se eu sonhar com a luz da lua e a escuridão do céu profundo, ambos surgem do nada latente como se sempre tivessem existido. Mas quando tento observar-me, ou questionar-me, nada faz sentido. Não consigo explicar-te melhor do que isto.
Tu não és a existência. Olha bem para ti e livra-te desse fardo desnecessário. Aquilo que possas ou não criar deixa de ser teu no momento em que essa intenção se torna manifesta. Não te sintas preso a algo que, no fundo, te é estranho e te derruba enquanto indivíduo.
Mas eu não sou um indivíduo, seja lá o que isso for. Eu sei exactamente aquilo que sou, aquilo que não sou, e aquilo que existe e não existe. O meu problema não é saber ou não saber. Eu sei claramente tudo. E sei isso também. Apesar de não saber o que é saber… Mas o que me atormenta é a falta de sentido daquilo que sei. Falta-lhe uma significância concreta. Entendes?
Não sei bem… Mas uma coisa também sei: o que quer que sejas ou não sejas, o que quer que cries ou não cries, tudo o que for, é, e é-o pleno de sentido, de tal forma que não poderia ser de outra maneira. Quanto a conhecer efectivamente esse sentido, creio que só tu poderás alcançar essa clareza de espírito.
E em que medida é que isso me pode ajudar? Tenho agora ainda maior certeza de que devia conhecer todos os sentidos, mas a única coisa que sei relativamente ao sentido é que Eu sou todos os sentidos. Como posso eu desatar este nó que começa a surgir em torno da minha existência?
Se tu és tudo, se podes tudo, se até podes não poder tudo, e mesmo assim não te conheces, então só podes ser uma coisa: tudo excepto tu próprio.
O que queres dizer com isso é que, apesar de eu ser tudo e de tudo ser de mim, Eu próprio não existo. Está certo?
Não sei. É só uma ideia.
O que é uma ideia?
Diz-me tu: o que é uma ideia?
Eu. Eu sou uma ideia.
Talvez.
E tu, o que és?
Nada.

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