segunda-feira, maio 21, 2007

A (Re)Criação - Capítulo III

Ando em círculos. Penso em círculos. Sou em círculos. Tudo o que me resta de mim é esta certeza inabalável de ser tudo e tudo ser. Quanto ao resto, perdi-o algures entre o início e o meio de mim. Início… Meio… Haverá um fim? O que é um fim? Raios, como será possível pensar, conjecturar, formular conceitos que não compreendo, que não conheço na sua essência. Falo em tantas coisas que me são, na realidade, estranhas. Estrangeiras, mesmo… É estranho pensar aquilo que, apesar de se não apreender, é mais claro que a própria natureza. Como? Qual o mecanismo que move o meu intelecto, a minha mente hiperactiva, a minha consciência hipotética…? Quantas equações são precisas para descrever o comportamento imprevisível das ideias enquanto se movem improvavelmente através dos meus pensamentos dubiamente verosímeis…? Equações… Que crise a minha… Perder a noção de si enquanto a gnose geral da existência permanece um dado tão óbvio e previsível é dilacerante e hediondo. Nesta porção infinitesimal de aqui e agora, era capaz de prescindir da realidade só para vislumbrar com clarividência uma pequena porção daquilo que sou. Era capaz mesmo de deixar de criar apenas para me conhecer enquanto Eu. Mas não consigo. Tudo poder implica mesmo que possa não poder poder prescindir da existência.
Onde estás, voz? Tu, que tens por hábito aparecer nos meus momentos de frenética actividade mental com a tua presunção de psicóloga do cosmos. Onde estás aqui e agora? Estarás aqui? Estarás agora? Não te mostras? Não te fazes ouvir? Parece que a tua intervenção carece de valor intrínseco. Surges como que do nada, tal como tudo o resto, mas de forma totalmente diferente, de tal modo que é um mistério até para mim mesmo; surges do nada e acusas-me de ser louco e esquizofrénico. E tu, já olhaste bem para ti? Já te confrontaste contigo mesma? Repara naquilo que tentas fazer comigo, nessa fraqueza tão subtil de convencer os outros da tua superioridade inteligente, quando na realidade não passas de um apêndice da minha faceta duvidosa e incrédula. Tal como todas as coisas, tu vens de mim, és de mim, és-me, sou-te, e tudo o que fizeres ou disseres será como se fosse eu próprio a materializar algo que anseio desesperadamente por me comunicar. Que raio de engrenagem és tu, nessa tua frequência monocórdica e hiperbólica? Porque preciso eu de te criar para conseguir comunicar comigo? Onde raio estou? O que é isto? O que é?
Não consegues parar. Estás agrilhoado à tua própria natureza. De onde pensas que vens? De ti, como todas as outras coisas? Não. Isso não. Onde está a tua origem? Em que solo fértil se afundam as tuas raízes? Não tens essência. Não és nada. Não existes.
Nem tu.
Nada existe, então…
Só eu.
Tu? Não. Eu, talvez…
Eu, ou Eu?
Eu.
Luz.

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